quarta-feira, 4 de julho de 2007

Irmãos Na Magia - um conto de fantasia (parte 2)

(veja aqui a parte 1)

Era isso que iriam fazer naquela noite. Um pacto com uma criatura sombria que vivia em planos inferiores, nas profundezas da existência. Manarus não sabia o que o demônio pediria a eles, apenas mantinha a esperança que fosse algo simples como a vida de um animal. Levavam um porco pequeno para o local do ritual.
Parou com suas divagações, recolheu sua sacola previamente preparada para aquele dia e juntou-se a seu irmão, na porta da cabana.

- Vamos. Temos que nos apressar. O caminho estará pesado por causa da chuva.

Os dois partiram a pé pela trilha que levava até uma pequena clareira. Randal carregava o porco embaixo do braço. O animalzinho estava dopado com uma fusão de ervas calmantes que o próprio Randal havia preparado. Outro ensinamento de seu pai, o druida. O animal parecia dormir enquanto os irmãos seguiam pelo caminho.

Logo chegaram na clareira, que era delimitada por oito pedras altas, como pilares retangulares, dispostas em um círculo amplo. Essas pedras, colocadas neste local há muitas eras, seriam suas únicas testemunhas. Dentro da proteção mística do círculo formado pelas pedras, Manarus sentiu-se mais confiante. Olhou para cima e pôde avistar o céu através de uma abertura nas nuvens. A chuva cessou. Randal e Manarus começaram a preparar o ritual.

Primeiro Manarus limpou uma área grande com cerca de três passos largos de diâmetro, usando uma pequena enxada que tirou da sua sacola. Em seguida Randal marcou um círculo grande no chão com pó de prata e areia branca.

– Ficaremos dentro do círculo para que o demônio não possa nos tocar.

As palavras de Randal causaram medo em Manarus. Instintivamente ele tocou a peça de ferro em seu bolso esquerdo.

Há quatro meses ele havia ido até a vila, como seu pai ordenara, para comprar trigo e vender algumas ervas. O velho Bernic era de pouca conversa e não gostava de trocar palavras com os aldeões. Chegara a passar dois anos sem pisar na vila e preferia mandar um de seus filhos sempre que precisava de alguma coisa de lá. Desta vez Manarus havia se atrasado na volta, pois parara para olhar uma bela e jovem aldeã que cavalgava um corcel jovem, recém domado. Manarus ficou ali por algum tempo, apoiado na cerca de madeira que delimitava a propriedade. Era um pequeno haras que pertencia a uma família local. Dentro do cercado, a jovem montava o cavalo com desenvoltura, testando o animal para saber se ele aprendera a obedecer seus comandos com rapidez e precisão. Quando percebeu que escurecia, Manarus assustou-se e partiu apressado pela estrada que levava até um ponto próximo de sua casa, de onde seguiria por uma trilha discreta.

Anoiteceu rápido e Manarus ainda estava longe de casa. Depois de caminhar cerca de uma hora sobre a fraca luz da lua minguante, ele percebeu um barulho na estrada. Um cavalo se aproximava dele, com um trote lento e irregular. Uma pessoa vinha no lombo do animal, caída para frente como que desmaiada. Permaneceu parado enquanto o cavalo se aproximava dele lentamente. Tartava-se de um sacerdote, Manarus logo percebeu. Suas vestes escuras foram logo identificadas pelo rapaz. Já havia visto outros destes clérigos antes. O Templo de Iovel era o novo culto que se alastrava rapidamente pelos reinos da costa de Löria. Manaruas ficou intrigado. Esperou o cavalo se aproximar mais até que o animal parou diante dele. Viu que o homem estava realmente desacordado. Tentou reanimá-lo sem sucesso e depois o ergueu para deixá-lo sentado na sela. Foi quando percebeu que havia uma enorme mancha de sangue nas vestes do homem. Com cuidado, retirou o homem de cima do cavalo e o deitou no chão.
Não sabia bem o que fazer, então rasgou a roupa do sacerdote para olhar o ferimento. Manarus fez um careta de asco quando viu que havia efeito de veneno no ferimento causado por uma lâmina curta, um punhal talvez. Pensou em carregar o homem até sua casa para pedir ajuda ao pai, mas logo percebeu que não agüentaria. O sacerdote era alto e forte, devia pesar demais para o raquítico rapaz carregá-lo. Ficou por um momento conjecturando sobre o que fazer, ajoelhado ao lado daquele corpo inerte.
Sem aviso o sacerdote despertou. Agarrou a mão de Manarus e falou com um tom de urgência.

- Esta cruz protejerá o povo de Iovel do mal. Pertenceu ao próprio Kraanan. Não deixe que eles a peguem, não deixe que destruam...

Manarus ficou fitando o rosto do homem, sem dar muita importância para o que ele dizia, até que o sacerdote deitou a cabeça novamente no chão, fechando os olhos. Estava morto.

Manarus compreendia que haviam assassinado o clérigo. E que o clérigo rumava para a aldeia. Além disso, sabia que essa seita de Iovel acusava as antigas tradições druidicas de serem blasfemas e heréticas, pois somente seu deus Iovel era um deus “verdadeiro”. Um culto expansionista e intolerante, era o que Manarus havia aprendido sobre eles. Agora tinha um cadáver no meio da estrada e sangue em suas mãos. Além da pequena cruz de ferro fundido, totalmente polido, que parecia algo importante na visão do morto.

Ficou ali aturdido por um longo tempo. Depois levantou-se e verificou o cavalo. O animal não tinha marcas, não poderia ser identificado como propriedade do Templo de Iovel ou de qualquer pessoa. Uma idéia surgiu furtiva na sua cabeça. Poderia enterrar o corpo e voltar para casa com o cavalo. Ninguém o ligaria à morte do sacerdote e talvez nem encontrassem mais o corpo. Haviam assassinado o homem. Sim, mas seu medo era que o acusassem do crime. O filho de um druida, poderia matar um sacerdote do Templo de Iovel por alguns motivos óbvios. Intolerância era um deles. O Templo não precisaria de muitos motivos para acusá-lo e levá-lo à forca, ele, seu irmão e seu pai. Toda sua família poderia ser condenada se fossem ligados àquele crime.

- Vou sepultá-lo na floresta. O cavalo não tem marcas, não poderá ser reclamado depois. É melhor que esse clérigo simplesmente desapareça do que ser encontrado morto por envenenamento – ponderou Manarus num sussuro.

Carregou o corpo para dentro da floresta cerca de dez minutos. Ocultou o corpo da melhor maneira que conseguiu, soterrando-o com folhas e terra úmida. Depois voltaria para enterrá-lo definitivamente. Quando tocou a cruz, depois de esconder o cadáver, o tempo pareceu congelar repentinamente. Tudo ao seu redor perdeu a nitidez. Ficou tonto. O jovem lutou por um momento para recuperar a lucidez, mas sua vista escureceu e ele caiu no chão. Acordou algum tempo depois com respingos de chuva batendo em seu rosto, sem saber quanto tempo havia ficado desacordado. A chuva era uma aliada naquele momento, apagaria os rastros. A tal cruz ainda estava na sua mão e Manarus colocou-a rapidamente no bolso, com medo que causasse algum outro efeito nele. Alguns dias depois Manarus tentaria entender que radiações arcanas emanavam daquele objeto.

Montou no cavalo e galopou até sua casa pensando numa maneira de explicar como conseguira aquele belo animal.

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