quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Irmãos Na Magia - um conto de fantasia (parte 3)

(veja aqui a parte 2)

A voz firme do irmão o arrancou de seus pensamentos. Randal estava de joelhos no chão com o livro aberto, apoiado nas mãos. Ele estava ajoelhado bem no centro do círculo que traçara no chão como proteção. Manarus percebeu que estava com um pé fora do círculo, desenhado com areia e pó de prata, e deu um passo curto para se colocar totalmente dentro.

- Acho que podemos começar. Você terá que repetir o encanto depois de mim a cada pausa. Segure o livro comigo e recitaremos juntos.

Manarus se ajoelhou ao lado do irmão e os dois iniciaram o ritual. Randal dizia que havia comprado o livro de um estranho comerciante de passagem. Manarus nunca contestara essa história, mas no fundo de sua mente uma vozinha o incomodava. Ela lhe dizia: “Quanto você acha que custaria um objeto como esse livro antigo?”, “Como Randal conseguiria dinheiro para negociar tal objeto?”. Secretamente admirava o irmão por isso também. Deslumbrado pela possibilidade de realizar um poderoso e complexo ritual de magia, Manarus simplesmente ignorou aquela voz no fundo de sua mente, recusou-se mais uma vez a julgar os atos do seu irmão de criação.

Randal prosseguia recitando as palavras do ritual com uma precisão surpreendente. Ou assim parecia a Manarus que se esforçava para repetir em voz alta cada sílaba que o irmão recitava. Os jovens feiticeiros recitaram cuidadosamente por sete vezes todo o texto dos pergaminhos que formavam o livro, mas nada aconteceu. Randal estava furioso e praguejava contra a lua no céu noturno. Mas Manarus não estava apenas decepcionado. Ele estava intrigado. Por várias vezes pode sentir emanações mágicas vindas daquelas páginas, não podia acreditar que estivesse completamente enganado sobre ele. Aqueles pergaminhos não poderiam ser uma fraude.

- É possível que tenhamos pronunciado alguma palavra erradamente, Randal.
- Não! Não é! Estudei cada uma delas, cada letra, cada respiração, cada entonação!

No seu ataque de fúria e frustração, Randal atirou o livro aberto ao chão, deu um pique de alguns metros e chutou um pequeno arbusto, gritando como um animal. Manarus não prestava atenção nele e sim no livro no chão da clareira. Algo chamou sua atenção sobre aqueles velhos pedaços de papel e tecido. Quando ele se aproximou do livro e olhou para ele, iluminado, pela luz da lua, ele viu as palavras escritas nas páginas. Palavras ocultas por uma magia tão elaborada que passaram desapercebidas por todas as divinações tentadas pelos dois irmãos. Mas agora eram claras, palavras mágicas que descreviam um novo ritual, menor, mais direto e mais poderoso. Ou seria apenas real, enquanto o outro, mais facilmente revelado, era um engodo?
- Veja, Randal. O pergaminho nos revela outro ritual sob a luz da lua.

Randal correu até o pergaminho e o tomou em suas mãos afoitas. Leu por alguns instantes aquelas recém reveladas linhas e soltou uma gargalhada. Seu riso soou insano e perverso para Manarus. Então ele começou a ler e iniciou o verdadeiro ritual para evocação do demônio.

O jovem feiticeiro parou algumas vezes para ter certeza que iria pronunciar as próximas palavras com a exatidão exigida pela arte que tentava dominar. Ao terminar de recitar, ambos ficaram parados, observando tudo a sua volta, por alguns instantes apenas, mas que para eles pareceram anos.

Foi então que sentiram um tremor no chão.

Um vento forte e quente, que parecia vir de lugar nenhum, açoitou os rostos dos dois feiticeiros. O vento aumentou de intensidade bruscamente como que em resposta ao medo crescente que eles sentiam. Tiveram que lutar para ficar de pé.

De repente o chão se abriu com um estrondo de terra se movendo. Uma luz intensa e avermelhada surgiu da fenda aberta no solo daquele local sagrado. Manarus notou que as sombras se escureciam cada vez mais. As trevas cresciam, se esticavam por todos os cantos, entre as árvores e as rochas, como garras tentando alcançar uma presa. Sentiu-se acuado. Indiferente ao que acontecia em volta dele, Randal fitava avidamente a fenda no chão com olhos arregalados e um sorriso nos lábios.

Ambos tremeram e recuaram um passo quando a mão saiu da terra. Os dois irmãos olharam em volta, certificando-se que estavam dentro do círculo mágico de proteção traçado no chão. A outra mão da criatura surgiu.

Agarrando-se à terra molhada, braços enormes cobertos por uma pele grossa como couro, avermelhada como sangue, surgiram da fenda. Os braços da criatura se esticavam num esforço para erguer o corpo soterrado. Arqueadas como garras, as mãos fincavam as unham compridas na lama, puxando o corpo para a superfície.

A cabeça monstruosa da criatura podia ser vista agora. Com o rosto voltado para baixo, arrastando-se na lama, quatro chifres escuros e pontiagudos brotavam do topo. Ela ergueu o rosto da lama, olhando na direção dos magos. A princípio não se podia ver seus olhos cobertos de lama, mas logo a lama escorreu revelando o olhar maligno do demônio. Seus olhos totalmente negros brilhavam, refletindo a pálida luz da lua.

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